domingo, 14 de agosto de 2011

Somália - África

Estados Unidos da América, supergrande prepotência
Crianças morrem de fome na África,
Europa,  raça pura, velho mundo,
Morrem de fome na África,
Insurreição árabe, o mundo de cabeça para baixo,
Fome na África,
a África continua embaixo.

Mulheres pretas, secas, olhos magros, choro sem lágrimas
O filho suga o leite que já não alimenta, pois o alimento
que um dia tiveram, foi sugado por um povo superior
Por quê ajudar o que destruímos?

Crianças (...)
Crianças com bocas sedentas de algum líquido precioso
que jorre do chifre africano
Olhos nus repletos de esperança,
O líquido azul que salva o gado e cria a vida
Vai (...) espere meu doce infinito.
Não agora será tua aquela cova

De meus olhos jorram algum líquido inodoro e insípido,
repleto de vergonha.
A carne cortada pela vaidade, o meu futuro me aguarda brilhante (...)
Miserável. Ai de mim.
Seguiremos sempre aqui cantando com nossos egos,
seres supergrandes prepotentes
E tu?
Pra quando África?
Até quando África?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Lembranças fugidias

Moisés sempre foi sonhador. Quando adulto tornou-se trabalhador, mas os sonhos... Ah, estes ele deixou cair pelo caminho.
Casado permaneceu com Maria, seu grande amor desde a tenra idade, por mais de 60 anos. Juntos construíram uma linda família, perdeu uma única batalha na vida: o filho para as drogas. Mas ainda assim, com uma vida humilde, seguiam cada qual sua função de cidadãos no mundo. Um casal amoroso com duas filhas e quatro netos.
Mas uma hora a mente cansa. E o primeiro sinal de cansaço muitas vezes não se dá no corpo, mas sim na alma, na memória. Conversar com o Sr. Moisés era sempre tão bom. Ele sempre a contar histórias sobre sua vida na roça, a construção de sua modesta casinha e a alegria de estar vivo mesmo quando muitos dos seus já se foram. As tristezas do mundo iam preenchendo aquela cabeça branca e aqueles olhos já exaustos de tanta miséria em sua volta. Um dia, não sabemos se por vontade própria ou pelo cansaço da mente, Moisés já não se lembra mais do caminho de sua casa. Este lar, que até então, com seus 83 anos, era um porto-seguro quando vinha das suas andanças - ele sempre foi dado a caminhadas – agora se transformara num lugar desconhecido. Passava em frente ao seu portão e já não entrava, pois não se sentia mais pertencente àquele lugar.
Os sonhos de ganhar o mundo voltaram, mas agora já era o corpo que estava cansado. Saía de ônibus pela manhã e não chegava. A família, que sempre fora muito conhecida da região, acabava recebendo-o em casa pelas mãos de alguma alma caridosa que reconhecia aquele velho negro de cabelos brancos de algum lugar de sua infância. As saídas foram ficando mais frequentes, mas as chegadas cada vez mais demoradas. Não havia tantas almas caridosas assim no mundo e o velho Moisés não era tão conhecido a ponto de rodar todo o Rio de Janeiro e ser reconhecido todo o tempo.
Para aquela que foi sua amada durante mais de sessenta anos, a decisão a ser tomada foi difícil mas necessária: privar da liberdade o homem com quem ela viveu por mais de meio século. A tarefa árdua coube a ela, a única de quem ele não esquecia o nome. E ali, trancado num quartinho nos fundos da casa, ele gemia. Gritava e implorava por socorro ao mesmo tempo em que dizia lindas palavras de amor para o amor de toda a sua vida.
Ali, longe do mundo e de suas andanças, o coração parecia parar, acalmar-se, e acalmava-se tanto, a ponto de ele recordar-se de coisas de sua infância. Chamava pela mãe, pelo pai, pelos irmãos que já não se encontravam neste plano terreno, mas era incapaz de reconhecer o rosto da filha que ia levar-lhe o calmante.
A família chorava. Lágrimas conjuntas de esposa, filhas e netos. A dor era insuportável para todos. Decidiram, devido ao grande amor que sentiam por ele, interná-lo numa casa que tivesse o tratamento adequado para lembranças fugidias.
O pobre Moisés, parecendo perceber o que estava por vir, decidiu acalmar-se neste dia. Jurou, ouvindo as conversas decisivas que vinham de dentro da casa, que não gritaria mais, porém os nomes ainda era incapaz de lembrar.
Pediu por socorro durante toda aquela noite. Pela manhã, finalmente a alma descansou.

Texto produzido para o curso de compreensão textual - CEEP/UFRRJ/IM

Imperialismo cultural – Adriana Lisboa


A vida íntima
de uma menina de dez anos
na Somália (Somália é qualquer lugar
neste mundo, neste mesmo mundo):
o clitóris e os lábios vaginais são decepados
a menina é costurada em seguida, deixando-se
apenas uma pequena abertura para a urina e a
menstruação
a menina é imobilizada até que a pele grude
entre suas pernas
e no dia em que estiver pronta para o sexo
seu marido
ou uma mulher respeitada na comunidade
vai abri-la de novo, cortá-la
como se corta uma fruta, como se corta
a aba de um envelope que traz um documento
importante
como o avião corta a nuvem
como a nuvem corta o céu.

O Globo - Caderno Prosa & verso 30/07/2011