segunda-feira, 23 de julho de 2012

Manifesto do meu cabelo Black Power

Nossa! Parece que foi ontem. Mas já faz quase um ano que resolvi usar o cabelo de forma natural. E isso tem me proporcionado momentos bons e ruins. Afinal, essas são “as dores e delícias de ser o que é”.
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Desde criança fui obrigada (sim isso mesmo, não me foi dado uma escolha) a conviver com conselhos de pessoas diversas, amigas, próximas ou completamente desconhecidas, sobre os melhores tratamentos para o meu tipo cabelo. E eu, não conseguia ver maldades nos discursos, afinal, além de evitar constantes gozações no colégio, o cabelo mais “maleável” era mais fácil de ser “arrumado” e não requereria de mim tanto tempo na frente do espelho na tentativa de “domar” toda aquela “rebeldia”.
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E assim fui eu. Crescendo. Gastando dinheiro, tempo e paciência na tentativa de achar algum produto milagroso que se adaptasse ao meu estilo ou mesmo que me fizesse sentir mais bela. Pente quente (sim isso existiu), henê, alisante, tinturas, relaxamento caseiro, relaxamento em salões especializados, escova normal (não a “regressiva”, e sem prancha, afinal, na minha época não tinha isso). Mas enfim, foram muitas as tentativas de chegar a um resultado satisfatório.
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Entretanto, com o passar dos dias e meses, minha frustração aumentava. Eu não conseguia o efeito do cabelo liso, e quando chegava perto desse resultado via que meu rosto (redondo), não combinava com aquele tipo de cabelo. E quando conseguia relaxar o cabelo, em poucos dias ou meses minhas raízes teimavam em aparecer e entregar aos quatros ventos que toda aquela alquimia não estava funcionando ou que aquela não era eu.
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Enfim, entro na universidade... momento de grandes descobertas ou redescobertas, prefiro assim. Ao estudar um pouco mais sobre minhas rotas, raízes e minha ancestralidade africana descubro o quanto minha pele e minha identidade foram uma das vias pela qual o colonizador “tentava” me diminuir e me transformar em objeto e assim me dominar com mais facilidade. Discurso na primeira pessoa, pois creio que era eu em algum momento.
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Depois, com o passar dos anos, vejo que meu estilo de cabelo “Black Power” marcou uma forma de resistência em algum lugar desse louco mundo. Que o diga Assata Shakur. E cá estou eu, hoje, no século XXI, num mundo que se diz tão moderno, onde “pensamos” ser tão livres e resolvo assumir minhas raízes, todas elas.
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Com um estilo de cabelo Black Power por diversas vezes sou olhada na rua, algumas vezes de forma simpática e alvo de sorrisos de admiração, mas também de olhares de reprovação como se o meu cabelo medisse o tamanho ou a textura da minha personalidade.
Sigo em frente!
Meu esposo e meus filhos acham lindo, me amam do jeito que sou.  Amigas na universidade vêm por vezes me dizer que decidiram assumir os cachos por conta do meu exemplo. Acho isso lindo!
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Até que certo dia uma senhora me parou na rua e me perguntou como eu fazia pra manter o meu cabelo desse jeito. E respondi: em primeiro lugar a senhora precisa ter uma boa dose de coragem para aturar olhares, risos e piadinhas maldosas. E depois, é mais simples do que todos os tipos de cabelo que já tive. Basta passar a mão para acordar as histórias que estão por baixo de cada fio e com a ajuda de um pente, definir quais os sorrisos e olhares que quero para o meu dia. E além disso, a sensação proporcionada ao acordar e me olhar no espelho e ver que meu cabelo quer subir cada dia mais, sem se importar com quem está parado olhando minha vida, meu cabelo e o tempo passar, é indescritível.
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E quando me perguntam se vou deixar meu cabelo assim pra sempre. Respondo que pra sempre é muito tempo, mas é bom saber que posso ter meu cabelo natural, enrolado, escovado, vermelho, loiro, curto, longo, trançado, porque hoje me dou as opções que não me deram na infância. Talvez por conta do tom da minha pele, tenham guardado esse segredo: a mulher negra pode ter ou usar o cabelo que quiser. Não sabiam que a pele preta combina todas as cores em uma só.
E assim sigo com meu “pixaim elétrico” eletrizando as cabeças e os olhares que encontro em meu caminho, iluminando a trilha da minha vida.

Valéria Lourenço. 22/07/2012 às 19h 03