quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

papel-seda


há algum tempo, havia decidido colocar minhas memórias sobre a gente, todas, dentro de um papel-seda. depois de bem dobradinho em alguns pedaços, como uma espécie de origami, guardei-as naquele espaço todo arrumadinho que sempre trago aqui dentro.  guardava a chave no bolso e às vezes preparava um ritual. buscava a chave, abria a porta e fazia uma faxina em uma parte da casa. daí, arrastava a cama e varria aquela poeira que ficava cá embaixo, acumulada, enrolada naquele chinelo velho que eu sempre pensava estar perdido.

a outra parte não precisava de arrumação, parecia uma sala de visitas, sempre a sala de visitas. impecável, para que as aparências enganassem mais alto. mas, só quem conhece esse lar muito bem, sabe que sempre tem um cantinho ao lado do sofá, onde caem coisas que – ou por preguiça, ou por medo de re-encontrá-las  – decido deixar ali, estagnadas.

entretanto, minhas lembranças sobre você, eu deixava naquele lugar de que mais gosto: sobre a prateleira de livros. quando sentia falta da gente, desdobrava o papelzinho e já podia até sentir o cheiro que elas me traziam. depois, conseguia ver cada fato de forma separada. o dia em que nos re-conhecemos, as primeiras palavras, o início de nossa amizade, o crescimento do meu carinho e admiração por você, até que tudo se transformasse em amor.

de repente...

foi num dia de céu azularado, entrei em casa e vi que tudo estava úmido. as coisas fora do lugar, como se uma enchente tivesse passado por ali e decidido ficar. os móveis já todos impregnados pelo cheiro-gosto da água salgada que escorria de dentro dos meus olhos, estavam flutuando sobre aquele rio inteiro que se formava.

corri e depois de um grito afogado, fui em busca do pedaço de papel-seda.

revira e remexe. comecei a lembrar do dia em que escolhi justo aquele papel para embalar nossas memórias. me remetia a uma ideia de infância. ao cuidado com que eram preparadas as pipas e paradoxalmente, ao quanto elas eram livres e ao mesmo tempo agressivas para enfrentar outras pipas que vinham em sua direção. escolhi o papel-seda.

ao correr os olhos ao redor, percebi que o papelzinho havia se rasgado. pedaços boiavam sobre as águas. não conseguia encontrar nenhuma das caixinhas que eu havia separado para guardar cada uma das minhas lembranças: a dor do parto; a alegria de juntar as primeiras letras; a tristeza pela morte do meu pai; a imagem da primeira filha; a deliciosa sensação de andar de pés descalços; o som da sua voz ...

com um fio de esperança, espremi cada coisinha que encontrava e corria pra estender sob o sol, ainda fraquinho, mas que começava a aparecer. em vão. tudo encharcado, aguando aqui dentro. após respirar fundo, e com as pernas ainda bambas, tentando seguir em frente, como num relance, foi então que percebi, que desde o dia em que te encontrei, minha casa está inundada de ti.

valéria lourenço. 15/09/2013 às 13h00.

Borboleta



 

Costumava acordar cedo: sempre às 18 horas, e evitava abrir a janela para olhar a tarde-noite. Pairava o medo de sentir-se tentada a voar como imaginava ser capaz na fase da vida em que aprendera a escrever uma palavra que até então ela nunca havia pronunciado: MÃE. Molhava o algodão naquele líquido de cheiro forte e esfregava nas unhas tirando a cor de um esmalte que não aprendera a usar. Com o corpo descortinado de fios a circundar os poros, tentava se despir da pele que tão bem disfarçava sua tristeza. Retirava todos os pelos do corpo e ansiava que cada ida àquele encontro a fizesse se esquecer de si.

Ao longo da vida, nas vezes que tentara se amarrar a alguém, definhava e seu pé logo se via livre das correntes que a prendiam. O abrir-fechar-abrir de asas sempre a encantava e a vontade de se vestir de personagens diversas talvez tivesse vindo depois de adulta, quando percebeu que ser uma era pouca[1].

Desceu as escadas, dessa vez, com a firmeza de uma veterana e ficou à espera do próximo cliente.



[1] gostaria de manter essa grafia: pouca.

(re)começando...

quatro anos se passaram desde que inicie a aventura de escrever um blog na internet. a ansiedade causada pelos momentos de amor com a universidade fez com que eu quisesse escrever e com-partilhar meus sentimentos com o mundo. com o mundo!? sei. não fui nem um pouco humilde. mas era isso que eu pensava. cursar letras foi libertador em alguns momentos, mas, em outros, me travou. agora, além de escrever, também faço o papel de crítica literária de mim mesma e só eu sei o quanto posso ser cruel nesse lugar. entretanto, apesar de todos os medos e travas, dois anos se passaram, terminei a graduação e lembrei-me do meu blogue. nossa, como ele está abandonado. o último post foi em novembro de 2012, já estamos em janeiro de 2015. talvez seja esse o momento de recomeçar. início de ano, esperanças renovadas, ciclos que se fecham e outros que se iniciam. espero que você embarque comigo novamente nessa jornada rumo a algo que eu também não sei ao certo o que é, mas está logo aqui, já posso até imaginar.